3.18.2006

Diferente de sempre

Resolveu afogar-se no copo de pinga, só para ver se o dia pingava logo.
- Por favor!
Olhou para ela.
- Por que diabos você mesma não faz isso, porra!
- Mas que saco...
Saiu apressado, rumo ao boteco, rumo ao boteco.
- Porra! A carteira! A merda da carteira, merda!
E agora? Ele tentava decidir se voltava e revia as fuças dela, ou se ia direto para o bar e pedia a “pendura”.
- Droga...
Achou melhor não. Direto pro bar, direto pro bar.
Sentou na cadeira de sempre, perto da parede e do bueiro de sempre. Levantou o dedo de sempre, pediu o de sempre para o garçom de sempre. Bebeu no gole de sempre, rápido como sempre e, como sempre, os olhos avermelharam. E assim, aquilo durou as horas de sempre.
- Pendura na de sempre, João!
Foi carregado para casa como sempre, mas não pelos amigos de sempre, porque em boteco os amigos de hoje não são os de amanhã. Porre nunca é igual, pensava ele. Foi deixado na calçada, como sempre, e o porteiro apertou o botão no elevador, como sempre. A cara do porteiro era diferente...
- Melhor assim... Assim minha mulher não me mata, não. Mata não... Antes chegando sozinho!
No 16º foi recepcionado pela polícia.
- Seu Zé, sua mulher foi encontrada morta no banheiro. Enfarto fulminante.
E pela primeira vez em tantos anos o seu Zé deixou de brigar com a mulher depois do boteco. Sentiu falta. Sentiu...
- Arre...
Não, não... Da mulher? Não. Sentiu falta da briga, que era a única coisa que fazia o dia do seu Zé um pouco diferente.
Há, fazia! E se fazia...