5.29.2006

Narciso caçado

Capaz de voar nasceu sem os pés. Não precisava deles... Antes ter asas e sentir no rosto o vento da liberdade, a marca incólume e imortal de um tempo que nunca passou. E era assim... Cresceu e nasceu voando, e em vôo viu tudo do alto, com os olhos de um Deus duvidoso, capaz de julgar o mundo com a moral inabalável e distante de uma águia. E um dia, assim, sem mais nem menos, como que por Destino, o caçador, homem-homem lá embaixo, meteu-lhe um tiro de rifle no peito. E ele caiu. Morto. E morto ficou, no chão, onde as asas não eram mais necessárias. E ele não tinha sangue... Era seco feito pó, e feito pó foi esquecido... Abandonado a própria sorte que nem os urubus quiseram levar. Carne vazia e sem gosto, que nem o vento eterno foi capaz de salgar.

5.26.2006

Tributo

Noto-te sereno olhar castanho,
vontade de toques estanho,
esquentar teus dedos frios
nos fios que meus sorrisos cobrem.

E é toque, de toque, retoque,
ouço e sinto sem nada ver,
e salvo da ruína o que perdi
por puro e insensato querer.

E é processo de regresso,
é fazer de pele sentido,
é buscar no fundo d’alma
a entrada do infinito.

E fazer de braços escudos,
escutar batidas em boca,
calar a som da angústia,
surrupiar do medo a voz.

E do peito mercúrio que era
não é, e agora, portanto, rendo
ao belo céu noturno que só ela viu
um tributo pelo ser Destino.