4.27.2006

Embate

Caminho de rodar o mundo oval sobre os meus pés azia,
má digestão de calculo renal,
cansado as marcas de fazer poesia de aguardo,
de maltratar as palavras com essa pieguice,
e de esperar o meteoro extintivo que nunca vem.

Esses malditos apaixonados, feito eu melancólicos,
que encontram na felicidade sempre um bom motivo para chorar,
deveriam estar sob os pés de Atlas, já que escolheram,
de legítima e estúpida vontade,
carregar o peso do universo sobre seu câncer,
tumor eterno de caneta cabeça inquieta.

E eles, feito eu melancólicos, que teimam em vomitar coração,
inverso de quociente inteligente, quociente explosional,
dia desses, impacientes escorpiões que são,
ferroam e matam gente errada e inocente,
antes, é obvio,
que sua aflição os leve ao iminente desarmado
suicídio.

E aí eles escolhem o ‘não’,
e suas vidas, feito a minha,
resumem-se a este eterno embate.

4.19.2006

Clamor


Paciente,
salvar-te-ia do inferno
do lado escuro da Lua,
ansioso por curar com seda
teus infinitos pares de asas brancas,
coagular o sangue das feridas
e devolver-te o vôo ao toque
o sorriso, o orgasmo...
Quem sabe,
talvez,
transformar tuas lembranças
em visões de nebulosas
explosões de longas vistas.
Enviar-te-ia aos sonhos
dos buracos negros
onde o Tempo,
maldito,
haveria de não passar,
e teríamos, sob nosso olhos,
o irônico fim do começo,
o retorno ao nada,
o esperar do sempre,
do esmagamento o surto
do Tempo morto,
do Tempo eterno.
Paciente,
salvo-te.
Salvar-te-ia.

Peça-me!

4.16.2006

Pascoal

Devia eu tornar-me massa e,
de bolo, assar em fogo morto?
Devíamos nós ser o que somos
parcos ou porcos ao molho amargo?
Devíamos nós esculpir nossa própria face
ou buscar em face alheia a lágrima inexistente?
Devíamos nós transformar amor em receio?

Medo?

4.09.2006

Aula atroz, folha de xerox

Tudo isso foi escrito em uma folha de xerox com excesso de espaços em branco, na aula do Rony. Tudo muito além da definição de língua, linguagem e texto... Ou aquém.

Inquieto, inquieto, inquieto, inquieto, inquieto, inquieto, inquieto, inquieto...

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Este texto é, textualmente, um texto sobre o texto. É meta-texto. É texto de si. É texto meta... no lixo! Façamos modernismo!

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Dizem as letras que as folhas de papel andam tristes. A brancura deixou de ser poesia, e isso as incomoda. Ninguém mais perde tempo com cantos de página. Ao menos esta folha está feliz.

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Houve um dia, belo dia, em que as amoras, amargas, mancharam de asco a face do inocente. E a criança, pobre dela, diante do amargor, diante do horror, não teve lembranças de camisetas manchadas, mãos avermelhadas, bocas melecadas.
Pobre da criança! Que futuro pode haver sem manchas?

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Para o bem veio o mal e disse:
- Faça-se.
E se desfez.
Então foi só mal.
E o ex-bem disse:
- Faça-se, porquanto agora sou mal.
E voltou o mal a ser bem.
E fez-se o retorno, e a eterna transição voltou-se. E é.

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Delicada,
bate na cabeça,
dedos livres,
devagar,
sorri.
Olha rapidinho de lado pra fingir.
Iludir?

Fala e sorri,
pensa e sorri,
sorry e sorri.

E que se pode esperar de teus braços calmos,
de teus bocejos alvos,
de claros que são teus olhos
de ninguém.

Inquieta, sorri.
Sorry.
Sorri.

4.03.2006

Canibal

Sentou, esperando, olhando o chão, acendendo o cigarro, comendo as unhas, fumando o cigarro, olhado o cachorro, torcendo o pé, ajeitando a saia, baforando, tremendo de frio, se abraçando, ajeitando o cabelo, abrindo a bolsa, baforando de novo, olhando no espelho, abrindo o batom, passando o batom, labiando os lábios, fumando, apertando a mão na coxa, apertando a mão no peito, acertando o sutiã, comendo as unhas de novo, baforando o cigarro, fumando o cigarro, puxando o cigarro, levantando, andando pra lá, andando pra cá, fumando, fumando, dizendo olá para o pipoqueiro que vai embora, dizendo pra si mesma que “ele está atrasado”, jogando finalmente o cigarro no chão antes que lhe queimasse, andando mais rápido, mais lento, mais rápido, mais lento, sentando de novo, chacoalhando as pernas, batendo os pés, impacientando-se, e “ele não chega logo”, e “eu estou com frio”, e então colocando a blusa, e então se arrependendo pela blusa que não combina, e então retirando a blusa, e então começando a tristeza, e então voltando a ser apreensão, e então de repente se lembrando dele, e então tendo tesão, querendo sexo, lembrando do peito, lembrando do pinto, lembrando da última noite, lembrando do orgasmo, do outro, do outro, do sono, da ida, do telefonema, do encontro, da música, pra poder de novo voltar ao presente da noite fria, da praça calma, levantando de novo, andando de novo, acendo outro cigarro, outro Marlboro, outro palito, puxando, baforando, fumando, libertando, acalmando, retomando a ansiedade, andando, andando, e ele não chegando, não mais evitando o relógio, louca pelos 15 minutos, enlouquecendo, querendo ir embora, sabendo que “agora ele não vem mais”, mas não conseguindo ir embora, e as pernas dormentes, os braços abraçando, o sonho diluindo, a decepção retornando, a angústia retornando, aquela merda toda retornando, lembrando das sessões, das terapias, das psicologias, das pedagogias, das paixonites, tentando então esquecer, voltando pro presente pra olhar o gato, e acendendo outro cigarro, outro cigarro que já não mais acalma, já não mais resolve, e a fumaça afundando a mente dela de volta no passado, matando os neurônios, matando a razão, fazendo com que as pernas já andem sozinhas, e então é desmaio, é desmaio, é desmaiando. Desmaio.
E ela acordou no hospital. Do lado dele, que chegou atrasado, mas salvou a noite.