7.12.2007

Real e onírico

Não que os sonhos, por si, não valham a pena... Simplesmente valem muito mais quando postos ao consciente, transformados em planos com menos dessas quedas de balanços gigantescos, que pendem para penhascos enormes, sucedidos de despertares suados. Os sonhos são, sim, lindos, sonhados inconscientes. Mas sou obrigado, caro amigo, a lhe dizer que os sonhos são tão mais belos quando a realidade facilmente os supera...
Não que o vôo de um anjo não seja lindo em um campo etéreo; é que me parece muito mais belo quando, deste chão mesmo, deste que pisamos, passo os olhos por dentro dos pensamentos dela. Não haveria, e nem haverá, um vôo tão suave, ou tão emocionante, ou um misto de tantas coisas juntas e impossíveis, mesmo em sonhos. Não se vislumbra, simplesmente. Não... Sente-se! Quando as janelas da alma estão abertas, meu amigo, nenhum sonho é capaz de superar, em sensação ou memória, a passagem que vai de um mundo glacial e cruel para um afago perpétuo e quente, para um aperto no peito que não mata, para uma sensação suave ansiosa para continuar, tornada escudo, tornada apreço, tornada carinho e cuidado, tornada amor, finalmente. E eis que nenhuma das armas medievais de uma realidade passada é mortal demais na hora de protegê-la... É fácil e iminente doar-lhe o peito.
A verdade, afinal, é que encontrar os sonhos reais dentro dos olhos de alguém é como descobrir o mais valioso dos tesouros... Mas então dirá você que há riquezas escondidas em todo par de olhos do mundo, e inevitavelmente haverei de concordar. Mas também terei que lhe pedir: defina-me teu mais valioso tesouro, caro amigo, e garanto que será diferente do meu.
Problemas, sim, sempre os há. Transformar sonho em realidade submete a felicidade às provas do mundo. Privado pelo Tempo e Distância dos olhos que me sustentam o peito, sofro. Mas ao contrário dos sonhos do inconsciente, que todas as vezes caem cruéis no esquecimento, eis que meu amor se mantém firme na memória. Lembrar de longe dói feito saudade. Contudo, eis aqui a força do proteger, do amar. Se necessário for, ombreiras e peitoral de aço, espada em mãos, aguardo congelado na neve, talvez mesmo morto, mas para ser ressuscitado logo, ao retorno dela, resgatando-me de volta ao mundo do eterno sonho, que entre todos é o mais desejado: tê-la para sempre.

4.28.2007

A hora manca

Era uma hora manca, aquela. A impressão que tinha era mais ou menos a que tem uma presa na boca do leão: como se o Tempo tivesse deixado de ser interminável para tornar-se curto demais. Odiava sofrimentos, mas já não sabia se preferia uma morte rápida à uma vida longa e monótona. Se bem que, talvez, e puramente talvez, fosse muito melhor não pensar sobre isso. Se a lança tivesse que ferir-lhe o peito, que fosse, contanto que sua abstenção lhe poupasse da dor do fim, da dor do decorrer... Talvez, puramente.Segurava firme o volante, e as faixas iluminadas da estrada eram contínuas ou segmentadas, conforme lhe permitia o foco dos olhos que cedo ou tarde se fechariam de sono. Era tarde, Tempo demais na estrada, horas demais de sono interrompidas, excessivos rixares de ponteiros que o vento externo não abafava. Precisava dirigir. Precisava... Antes que o sono ou o carro lhe abalassem a vontade. Pensava... E o farol do caminhão lhe cegou o cérebro. Segurava firme o volante quando bateu na árvore, e mesmo depois, quando o peito esmagado pulsava em descontexto. Era uma hora manca, aquela, na qual talvez não soubesse se queria viver ou morrer. Talvez, puramente...

3.24.2007

Idílio

Consigo,
vede,
consigo vislumbrar em teus olhos âmbar um sonho bom e tranqüilo,
uma paz-calma que é calor em pele,
força de mão,
beijo suave ao ouvir tua melodia,
voz bela,
respira
canção...

Consigo,
vede,
consigo em tantos dogmas mudar de opinião,
ser aceitação de diferenças
e silêncio de minhas loucuras:
minhas poesias infames para teus sorrisos fáceis,
tua alma limpa,
teu caminhar sorridente que pára o Tempo por instantes infinitos.

Consigo,
vede,
refazer do dia todos os meus segundos,
marcar na mente a ferro morno lembranças boas,
fotos tiradas aos olhos,
álbum de esquecimento impossível.

Consigo,
vede,
e assim,
consigo evitar a cruel razão do ser.
Consigo que meu coração indique:não há sanidade maior do que ter você.

1.31.2007

Quando me doem os ombros

O negro,
morena-compulsão,
escolheste por querer par,
por querer desfazer-me o espírito indisciplinado.

Hipnose,
morena-provocação,
fizeste em uma noite insuportável
de calor submerso inferno.

Sem nome,
morena-inevitável,
és diferente de todas as outras
bonecas de borracha e loiro artificial.

És um complicado misto de desejo,
de vontade voyer sem discrição;
eis-me bola de fogo ao lado,
uma bomba relógio barbada, sem virgens, sem paraíso,
sem convicção suficiente pra fazer explodir em ti todos os meus músculos contraídos.

Sem voz,
morena-exceção,
vou-me embora envergonhado,
vou à cama sonhar contigo e esquecer-te:
fazer de conta (de novo) que não me apaixono por visões.

1.25.2007

Cardioparasitose, aguda

Não que eu precisasse,
quisesse, menos, menos ainda,
suportar-te as ânsias agudas de princesa ultrapassada,
a desfaçatez de um capricho tão fora de hora,
ultrapassado, esquecido, cisto,
mimo que és, mimos que me fazes querer,
sentir que és criança, insuportável,
odiar-te dia após dia, odiar-te,
fazer de minhas tripas esse ódio tão víscera,
ansiar pelo fim desses teus olhares que do inferno miram o maldito paraíso.

Não que eu procurasse,
escolhesse, nunca, mesmo jamais,
a burrice de mergulhar teus tormentos,
as belezas escondidas nas tuas palavras doces,
picantes, amargadas, amarelas pus, verde catarro,
amarelo manga podre, sanduíche de mostarda,
o gosto da tua boca é um dissabor que nunca senti,
uma vontade sem cor de ir embora pra sempre, pra que me esqueças,
pra que na lembrança ao menos tu existas, quem sabe...

Um desejo de ódio,
amor,
desdém,
comer-te; engolir sem mastigar.

10.29.2006

Casamento

Casaram-se banhados sob luz vermelha, densa luz que o toque separava. Amavam-se feito uma inseparação, um pedaço iluminado de utopia macabra, que precisa de morte para ter fim, e que, no final das contas, não acaba.
Eram feito unha e carne. Osso.
E então, já que o outro em si se bastava, resolveram afogar-se no Tempo, e houve de novo luz vermelho-sangue, luz musical, cítara, um longo agudo perseguido por um choro cortante, de despedida, mas que a Eternidade acolheu com alegria. Mataram o Tempo.

10.22.2006

Primaveril

Uma cigarra-sinfônica
em floresta esmeralda
abafa-me a lembrança
de teus olhos profundos,
irrita-me a distância torpe,
o desencontro-lábio,
o braço-desabraço,
a voz calada,
o ritual artrópode
cala-me a alma
e o sono do mergulho-íris.

São esses teus olhos que tudo dizem,
que fácil viram poema,
viram orquestra:
serenata pensamento.

10.08.2006

Domínio


Rápido, rápido, rápido!

Taquicardia, um dois, umas duas ou três, e uma batida que estourava os tímpanos. A bebida não deixava mais ver, e a luz-não-luz forte e colorida colaborava com o estrago visual, estomacal... Olhava, mas nada via, e tudo lhe parecia uma ilusão colorida e disforme, feita pra estragar a noite dos que prezam a razão. Ele viu uns olhos verdes que se aproximavam, mas que tão logo eram azuis e amarelos, e vermelhos, e então ele os fechou quando sentiu um beijo, que não sabia de onde vinha. Uma língua apagou o barulho, que voltou bem rápido, ou sabe-se lá quando. Batidas, tum tum tum, Dj e coração juntos fazendo do caos um caos ainda pior. Desmaiou...

Rápido, rápido, rápido, uma batida de carro, uma ambulância...

Disformidades de um neólogo sensorial.

Branco e azul...

Rápido, rápido, rápido... Pi... Pi... Pi...
Uma cama de hospital e uma máquina de monitorar batidas.

Monitorar.
Controlar, jamais.

9.16.2006

Sem versos

Será que é pedir muito, então? É... A morte, e só. Uma morte que você retire de si mesma. Sabe? Quiser chamar, chame do que quiser. Não é pedir muito que você morra. Morra de uma vez, vez por todas, que me cansa essa sua tua cara de idiota que sou obrigado dia-dia-após a ignorar. E eu ignoro, sim, já que faço esse poema de ódio sem versos com o único intuito de amenizar minha irritação, e fazer dela esquecimento, de uma vez por todas, já que me irrita tua voz, tua cara, tua foice, tua armadura, principalmente, esse teu jeito de com o escudo me recusar pra sempre. Então eu te ignoro. Que você morra, então! E é mesmo só isso que te peço, uma vez, vez que nunca vou ter coragem de te matar.

8.18.2006

Culpa

Deixou uma ou duas lágrimas azedas. Foi-se, não olhou para trás, não mais fez questão de olhares. Abdicava a profundeza prazerosa de uma mente excessivamente hesitante. Precisava do Tempo de novo, de novo, admitia, para poder se curar, de novo, de uma nova cicatriz, outra, outra talvez não tão grande, não tão pequena, mas, de qualquer forma, cicatriz. Ele tinha dificuldade em entender. Não sabendo os motivos, fundia o cardíaco metal em pensamentos dessa vez pouco culpados, a não ser talvez pelos próprios excessos de si mesmo.

Está cansado de culpa, de compreensão, de valor. Está cansado de tanta auto-piedade...